Censura

Escondo-me atrás da luz do palco do teatro feito de madeira velha

e, agora cintilante e vívida,

profiro minha poesia muda

dançante no tablado que range.

Cá estou pra ser alvoroço

porque em meu corpo corre sangue fervente

aquecido em banho-maria

pelo pior cozinheiro do país.

O mestre cuca que transformou meu sangue em água escaldante

só tinha intenção de me vender.

Mas ele passou do ponto e,

vendo meu estado terminal,

me deu a chance de viver exilada.

Mas, mesmo fora da cozinha,

meu sangue ainda fervilha.

E é assim que a poesia jorra de mim:

ato de rebeldia do meu corpo diante da violência,

inflama e incendia o público que,

calados, apreciam e avaliam meu show.

No palco onde só eu estrelo,

exteriorizo o padecimento lento

de minhas nervuras,

porque eu sei que não há na plateia

seres com o sangue mais quente que o meu

ou em temperaturas altas.

No público corre sangue vívido,

se é que ainda corre.

Já não sou mais artista,

sou objeto de uma banca que,

cautelosamente, me avalia.

Por elas eu danço e padeço,

como atratividade da temporada de circo,

para enfatizar que me mataram mesmo que eu ainda respire.

Agonizo até o fim do espetáculo onde,

ensanguentados e feridos,

aplaudem de pé a aniquilação do meu ser

enquanto brindam o corpo e sangue.

Amém.

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